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DIY - Relógios - I

DIY - Relógios - I

Muito projetos podem ser desenvolvidos com suficiente conhecimento de causa, desde projetos de automação a decorações domésticas - mas nem tudo é eletrônica.

Esse post é para falar de um próximo, onde construiremos um relógio cuco. E o que quis dizer com "conhecimento de causa"? É justamente o que quero deixar claro nesse post - seja lá qual for o projeto pretendido, é necessário conhecimento suficiente sobre o tema empregado. E isso sim, envolve pesquisa; tanto que para o projeto pretendido inicialmente (o relógio cuco) cheguei ao extremo e fiz esse relógio totalmente analógico em madeira: Vós apresento o "Genesis".

Esse relógio é a melhor prova de conceito que pude fazer até hoje. Ele funciona como os primeiros relógios de pêndulo, feitos de madeira. Não tem precisão atômica, mas tem 30 horas de funcionamento continuos, com alguma variação de 1 a vários minutos, dependendo da condição climática; umidade do ar, temperatura e vibração do solo.

Esse modelo segue os princípios dos primeiros relógios de madeira criados muito antigamente. E o quão antigamente poderia ser uma pergunta - Idade média é a resposta. Na idade média relógios eram artigos de luxo, considerados tecnologia de ponta, tal qual o computador na atualidade.

A história diz que Galileo estava na igreja e reparou que o incensário balançava em tempos diferentes conforme o comprimento da corrente que o prendia. Percebeu que tamanho de corrente iguais davam o mesmo tempo de balanço, logo resolveu utilizar o balanço para marcar o tempo - Ou seja, a primeira peça imaginada do relógio foi o pêndulo.

O pêndulo é um mecanismo bastante sensível e seu comprimento e contra-marca (o bob, como é chamado o peso da ponta do pêndulo) definem o tempo de batida. Nos antigos relógios de pêndulo e especificamente nesse modelo a velocidade é de 3600bph (beats per hour, ou batidas por hora), ou seja, uma batida por segundo. Dá para variar bastante esse valor (para menor tempo, obviamente) mas isso exige recalculo ou calculo de todo o mecanismo.

Ainda sobre o projeto de Galileo, seu desenho inicial não era funcional, mas foi baseado em seu modelo que posteriormente começaram a criar relógios de pêndulo funcionais. Digo de passagem que é uma verdadeira sorte alguém criar um relógio que não seja de sol e não morrer queimado na idade média!

As engrenagens são então os pontos seguintes a considerar. O pêndulo deve receber uma força sobre sua paleta para que mantenha seu balanço que deve ser de 60 vezes por minuto, sendo esse o primeiro conjunto do relógio a se fazer; pêndulo e engrenagem de escape.

Dependendo do modelo de relógio um conjunto maior de engrenagens pode ser necessária, mas a roda de escape e o pêndulo são as peças iniciais dessa construção, sendo também o conjunto mais sensível, pois é a marcação do tempo. Esse conjunto deve ser perfeito, não há tolerância a falhas.

Os construtores de relógios chamam as engrenagens de 'rodas'. A roda que interage com a paleta do pêndulo se chama roda de escape. Através de um pinhão (o pinhão é um tipo de engrenagem menor que faz a redução da velocidade) outra roda é acionada, essa chamada de terceira roda.

Uma coisa que realmente eu não considerava tão importante é o polimento extremo do eixo em uma peça de couro ou entre dois pedaços de madeira. Isso reduziu exponencialmente o atrito entre eixo e rodas, de forma que consegui girar as engrenagens apenas soprando-as.

Lembro-me do relógio cuco do meu avô. Era tolerável durante o dia e insuportável durante a noite. O som da roda de escape contra a paleta era um micro-martelo, mas esse modelo em madeira tem um som suave e constante - quase musical e é considerado um artesanato "vivo". Devido à sua construção orgânica, a madeira varia sua forma podendo em determinada época ou condição do dia, parar de bater, até que a condição se ajuste novamente.

Algumas semanas são necessárias para ajustar seu funcionamento fino, considerando fatores como acomodação da madeira, acomodação dos eixos, ajuste do peso do pêndulo etc.

Existem alguns "relojoeiros de madeira" pelo mundo e muitos seguidores, mas não é fácil encontrar alguém que venda esse tipo de trabalho devido a complexidade de construção e ajustes.

Primeiramente - parece simples - mas não é. A construção desse relógio é complexa, suscetível a falhas em diversos pontos e para um bom resultado, as ferramentas certas devem ser empregadas.

Falando das falhas possíveis; não há tolerância com cortes errados. Pequenas variações são inevitáveis, mas devem ser imperceptíveis a olho nú para que se possa aplicar algum ajuste. Os furos devem estar devidamente angulados; qualquer variação e a roda fará até baliza - 'roda' é como tradicionalmente os relojoeiros chamam as engrenagens de relógios.

A escolha da madeira também influência em muito. Seu peso, sua dureza e sensibilidade ao tempo são fatores que devem ser levados em consideração.

Inicialmente, pode-se tanto desenhar sobre a madeira como sobre o papel, ou ainda imprimir e colar sobre a madeira todas as peças que compõe o relógio. Claro que colar sobre a madeira é o modo mais simples de fazer esse recorte. Quando iniciei a construção, fiz primeiro a roda chamada de "roda de escape", que é a mais fácil de cortar pela ausência de ângulos nos dentes e por ser a menor engrenagem. Essa é a roda onde o pêndulo faz a interrupção do movimento, representando nesse modelo de relógio os segundos.

Tive que absorver diversas técnicas antes de cada passo. Certamente fracassaria se tentasse a construção sem muita pesquisa. Tive que treinar recorte para entender o funcionamento da tico-tico de bancada, além de pegar a devida sensibilidade. Claro, algumas serras foram quebradas durante o processo de aprendizagem e mesmo com experiência, é certo que a serra quebrará ocasionalmente, pois essa serra de bancada permite cortes em curva, recurso que algumas vezes é utilizado abusivamente. E devo dizer mais. tive que fazer quase 2 relógios para sair 1.

Ter um espaço adequado para o trabalho é fundamental, tive que sentir na pele o desconforto para poder dizer isso. Repare alguns detalhes na foto; estou fazendo o desbastamento dos dentes da engrenagem sobre a máquina de lavar roupas porque até então eu não tinha um espaço adequado no meu apartamento.

Repare também que estou fazendo esse trabalho em um equipamento pequeno e interessante. É uma máquina chamada "Union 1", que tem multiplas funcionalidades como exibirei em outras fotos. Nessa especificamente, montei a lixadeira de bancada.

Essa ferramenta é essencial para tarefas artesanais de precisão, porém é um equipamento delicado e não serve para tudo. Ele pode ser montado como lixadeira, retifica, furadeira vertical, torno de madeira, torno de metal, serra tico-tico de bancada e com criatividade, outras adaptações. Comprei diretamente da China e considero o preço uma bagatela, considerando suas funcionalidades e acredite - foi a melhor ferramenta que comprei da China.

A seleção da madeira foi um processo penoso, porque o recomendado para o projeto é compensado. Porém no Brasil não sei nem se existe compensado com a qualidade do compensado recomendado. Então, entre as opções que temos eu inclui o MDF. O MDF serve para o projeto, mas é a mais horrorosa opção. Positivamente falando, seu corte é macio, preciso e fácil de fazer os micro ajustes. Se você pensar em pintar as faces da engrenagem, pode optar por essa madeira. E já aproveitando o ensejo, jamais pinte, invernize ou encere as faces dos dentes porque isso afetará profundamente o funcionamento do relógio.

Quando fiz o roda de escape, utilizei eucalipto vermelho. É uma maneira muito bonita, dá um acabamento que impõe respeito ao relógio, podendo tê-lo funcionando em qualquer tipo de ambiente, doméstico ou comercial. O único contra da utilização do eucalipto vermelho é sua extrema dureza, de forma que antes de seguir a construção das demais rodas optei por experimentar outra madeira - a Pinus, para a roda da hora.

Não encontrei uma boa opção para artesanalmente escrever os números. O resultado de um pirógrafo não é tão bom e não tenho ainda nenhuma ferramenta para fazer baixo-relevo, então optei por comprar os números para o relógio.

Uma parte que não é interessante nesse relógio é a composição traseira das engrenagens. Por tras existem algumas peças sem graça de fazer, que são os suportes e espaçadores. Por sorte tive diversão ao torneá-los na ferramenta citada, como se pode ver na foto em que torneei um dos pesos.

Perceba a técnica do elo sobre a peça principal. Ela foi torneada na própria madeira e não sai da peça, é muito bonito e interessante de utilizar esse tipo de recurso.

Inicialmente seria utilizado esse contra-peso, mas quase ao término do reĺógio decidi trocá-lo devido à madeira. A peça foi torneada em uma madeira que sequer sei o tipo, mas era um cabo de vassoura. Sua cor não combinou nem com o Pinus nem com o Eucalipto, então decidi fazer uma mescla de ambas as madeiras aplicadas nesse projeto para criar o peso mostrado mais adiante.

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Usei uma técnica que agiliza e dá precisão no aparo das arestas. Prendendo a roda sobre uma guia a partir de seu eixo, bastou então girar a roda sobre a lâmina da tico-tico para ter um corte preciso e sobre medida.

Como citei, o uso de ferramentas adequadas é fundamental. Pensei que a construção fosse mais simples, fácil e que poderia utilizar o que tenho de ferramentas em casa, mas tive que comprar várias ferramentas fundamentais; a tico-tico de bancada, furadeira de bancada, topia, Union 1, bancada dobrável, grampos, etc. Não dá pra fazer sem as ferramentas certas, avisadus est.

A mesma técnica foi aplicada no lixamento das bordas, de forma a ter uma engrenagem perfeitamente redonda ao final da tarefa. Isso já evita um dos possíveis problemas, que é o encaixe entre o dendenum do pinhão e o pico do dente da engrenagem. O Dendenum é o fundo do vale entre os dentes. Se o fundo não estiver com o espaço suficiente, isso fará com que as engrenagens travem. Quando construindo, é fundamental iniciar pelo suporte e hastes, porque será necessário 'sentir' o movimento de cada engrenagem com o respectivo pinhão que a movimenta. O pinhão é como uma pequena engrenagem para mover a roda. A roda dos minutos tem seu pinhão na parte da frente, então repare no relógio para ter uma melhor percepção do que estou falando.

Em dado momento foi necessário fazer alguns ajustes nos suporte, utilizados para controlar a distância das engrenagens em relação à base. Então a Union 1 entrou em ação mais uma vez.

O suporte das engrenagens, a roda de escape e o shaft do pêndulo foram feitos em Eucalipto vermelho, enquanto as demais peças foram feitas em Pinus. A finalização das peças é feita com cera de abelha e cera de carnaúba, que confere um suave brilho acetinado e realça as nuances das madeiras utilizadas, além de propiciar uma duradoura proteção de selamento e impermeabilização. Não se deve limpar esse relógio com produtos químicos, nem passar outra coisa que não as respectivas ceras em camadas finas e suaves, dando brilho após a secagem - porém não é necessário refazer a aplicação.

Poderia ter utilizado roda de polimento, mas o enceramento manual permite um bom controle do resultado final, então, deve-se ter paciência com o enceramento, ainda mais que o ideal é aplicar, aguardar secar, polir e repetir até 3 demãos. Confesso que não é a única parte que trabalho, tem que ter gosto em fazer essa tarefa, porque os dentes devem ser limpos no dendenum após o corte, pois não deve haver interferências nem rugosidades que possam servir como atrito, ou seja, limpeza dente a dente.

Por ser a minha primeira construção, foram-se ( contando em dias livres ) 6 dias, utilizando apenas os finais de semanas, ou seja, um mês e meio para fazer esse relógio, mas creio que seja possível fazê-lo em 3 dias. Então, considerando o material e a longa e complexa mão de obra, além da raridade que é encontrar um artesanato desses, o custo para venda no valor ideal pode ser bastante elevado, considerando muito capricho em detalhes, uma semana de prova e umas 3 visitas (1 por semana) para ajustar ao máximo a precisão do relógio. Mas já adianto que não sou bom para fazer preços, certamente o preço seria seria bem maior se precificado por pessoas de negócios.

Considerando uma montagem do tipo DIY onde o comprador fará desde a instalação na parede, ajuste do balanço (para 60 beats/min) e ajuste fino, o custo pode ser bastante inferior. Isso não quer dizer que é rentável fazer relógios, mas sim que é custoso fazê-lo, pois além do material de construção ainda tem o consumo de energia, consumo de peças das ferramentas, impermeabilizantes naturais ainda tem o tempo e a expertise, com riscos de refazer peças, pois um erro não pode ser corrigido alá Photoshop, usando Ctrl+Z. Também deve-se considerar que cada peça é única e pequenas ou grandes modificações podem ser notadas. Fora isso, tem também os consumos variáveis como serras, ferramentas de corte do torno, máscara de proteção de poeira, luvas de proteção, cotonetes para remover residuos das engrenagens após enceramento, etc.

Por fim, esse modelo de relógio funciona assim: Roda maior com algarismos romanos representa a hora, a roda atrás da hora representa os minutos e a roda em Eucalipto vermelho representa os segundos. Dado corda, esse relógio deve manter-se em funcionamento por aproximadamente 30 horas.

Repare que as rodas dos segundos e minutos marcam respectivamente 2 minutos e 2 horas por ciclo.

Veremos como fazer um relógio com controle eletrônico, alarmes visuais e sonoros e alta precisão em um próximo post. Dessa forma, não haverá necessidade em preocupar-se com muitas das técnicas empregadas para o funcionamento final do relógio,pois a parte de controle será feita eletronicamente.

Partindo desse conceito, passaremos a fazer outros projetos que envolvam madeira, como animatronics, robôs de esteiras e rodas, diminuindo assim custos de projetos, que podem ser bastante elevados e pouco eficazes com o que temos fácil acesso no Brasil.

Para o projeto do relógio eletrônico, robôs, animatronics e afins, venderei os kits para que você possa montar seu projeto em casa, utilizando os códigos fornecidos aqui no blog.

No próximo post veremos algumas fórmulas empregadas para os cálculos das engrenagens e o relógio funcionando e então daremos início a um projeto de relógio com engrenagens "orgânicas", que vão fazer você pirar!

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Próximo post a caminho!

Nome do Autor

Djames Suhanko

Autor do blog "Do bit Ao Byte / Manual do Maker".

Viciado em embarcados desde 2006.
LinuxUser 158.760, desde 1997.